Fale Comigo

Fale Comigo

19 de agosto de 2023 0 Por Filipe R. Bichoff

De início, ainda nos primeiros minutos de rodagem, Fale Comigo se apresenta quase como versão atualizada de filmes de espírito, e que de certa forma o é, sendo a mão algo como um tabuleiro Ouija, um objeto intercessor entre o nosso mundo e o outro lado. Então podemos dizer que o longa se utiliza de tal temática, mas que faz a sua maneira, em nenhum momento tentando se escorar nesse ou aquele projeto. 

Com uma premissa objetiva e abrupta, somos introduzidos ao mundo que o longa pretende seguir, jovial e baladeiro, o que vem a fazer sentido à frente. Pois a premissa, por si só, tem o mero objetivo de apresentar o grau de letalidade que aquele objeto, somado a uma brincadeira, tem para com o individuo que o faz e até mesmo aos que estão a sua volta.  

E esse sentido passa a ganhar forma quando o longa apresenta sua protagonista, Mia (Sophie Wilde), enlutada pela perca repentina da mãe, e disposta a tudo que a faça esquecer de seu sofrimento, mesmo que por apenas noventa segundos. O que a leva, junto com os demais personagens a embarcar naquela brincadeira, sem ao menos pensar em possíveis riscos.  

Então de certa forma a base narrativa do longa é guiada pelo pesar, seja da protagonista para com a mãe, de seu pai para com ela, ou da relação com sua melhor amiga Jade (Alexandra Jensen), que sofre com a consequências de seu novo vício e tenta a todo momento advertir a amiga, que após provar a primeira vez se torna dependente, seja pelo risco ou pelos efeitos alucinógenos. 

E sim, me refiro ao ato como vício, pois aqui os jovens usam da conjura e possessão como forma êxtase, alívio, cada um com seus respectivos motivos, seja a protagonista pela mãe, ou do jovem Riley (Joe Bird), que devido a pouca idade e experiencia, é mais suscetível ao vício, vicio esse que busca afim de se enturmar, de fazer parte, logo ser descolado, mas que acaba dominado e protagonizando algumas das sequências mais agoniantes do longa.  

O efeito alucinógeno é muito relativo, dessa forma a direção relativiza seus efeitos, que aos olhos dos personagens é perturbador, transmitindo tal medo ao espectador, por vezes de forma mais gráfica, por outras mais íntima por assim dizer, o que permite ao público criar seus próprios fantasmas através das reações de espanto e pavor dos personagens, o que cria uma ambientação tensa e ao mesmo tempo arriscada.

Ainda assim, quando a sequência é mais gráfica, os planos fechados dão detalhes dos espíritos, detalhes por vezes repulsivos, por outro assustadores. Dessa forma a montagem alterna, assim como os efeitos psicodélicos, iludindo o público, ou melhor, o levando a ver o mundo através da percepção da protagonista, por vezes se confundindo entre real e alucinações, visuais e auditivas, auditivas que por si só são capazes de causar arrepios na espinha, quando por exemplo um sussurro surge em algum canto.  

Mesmo que em menor escala, mas ainda assim usando de sua temática, o longa expõe o racismo, já que quando há uma suspeita de uso de drogas pelo jovem Riley a primeira acusada de introduzi-lo a tal uso é a preta do grupo, Mia, o que a faz se voltar ainda mais para si e buscar alívio, ou respostas como ela pressupõe, porém assim como os espíritos os efeitos de tais substancias são ilusórios, tentam enganar a mente de seu hospedeiro o levando a feitos inacreditáveis. 

A narrativa segue um ritmo gradativo, em que aos poucos vemos a protagonista ir se perdendo e abrindo espaço para o oculto, de forma sofrida e assustadora, assim como o efeito de qualquer substância, que de início toma conta do indivíduo e aos poucos de sua vida e seus atos, por fim toma seu hospedeiro por completo, e como o longa apresenta de forma assustadora é um caminho sem volta, tomado por sombras e escuridão.

Crítica por: Filipe R. Bichoff

Título: Fale Comigo

Avaliação: ⭐️⭐️⭐️⭐️ / 8,0

Direção: Danny e Michael Philippou

Elenco: Sophie Wilde, Joe Bird, Alexandra Jensen, Miranda Otto, Zoe Terakes, Chris Alosio, Otis Dhanji, Marcus Johnson

Duração: 1h 35m

Roteiro: Danny Philippou, Bill Hinzman

Fotografia: Aaron McLisky

Trilha sonora: Cornel Wilczek

Ano: 2023