Hereditário

Hereditário

10 de junho de 2023 0 Por Filipe R. Bichoff

No terror existem inúmeras variáveis, subgêneros que vão do thriller ao slasher, um detalhe que permite abordagens mais intimistas ou gritantes. Mas particularmente acredito que dentre eles o terror psicológico seja o mais eficiente, talvez pela forma como é construído ou por exigir uma maior atenção por parte do espectador, tendo a suma importância da imersão, logo para como a obra irá refletir na mente daquele que assiste. 

Assim, o que vemos em Hereditário exemplifica perfeitamente isso, Ari Aster parte de uma premissa interessante e podemos dizer até mais realista, ainda sem indícios de nada sobrenatural, o diretor se preocupa em estabelecer o ritmo narrativo e apresentar os personagens, nada de jump scare ou algo muito intenso, ou uma sequencia chamativa, algo comum no gênero que faz isso para captar a atenção do público, aqui Aster faz isso de forma mais lenta, através da atmosfera inquietante do longa.  

Com isso, o diretor conduz o espectador através de uma narrativa tensa porém extremamente lenta, em que por momentos beira a contemplação, evitando a monotonia pela forma como constrói o suspense, cada detalhe, cada pista, vão aludindo à um mistério além da percepção dos personagens e do público, ao menos a princípio, o vínculo entre personagens e espectador é através do luto, o que torna tudo ainda mais denso.  

E tal construção toma basicamente toda a duração do longa, se fazendo por doses homeopáticas, detalhes deixados pelo roteiro que a princípio não parecem ter importância, mas que ao final se mostram parte de um todo, detalhes que a direção enfatiza como um aviso do porvir, como a rápida sequência em uma personagem corta nozes para fazer um bolo, antecipando para o público o acidente a seguir que culmina em uma sequência angustiante.  

O movimento de câmera sempre contemplativo, passeando pelo cenário e passando pelos personagens, alude às miniaturas de Annie (Collette), que revela que algo superior sempre esteve ali, conduzindo os personagens que, alheios à tudo vivem suas vidas como uma falsa sensação de livre arbítrio, sofrendo apenas com as consequências do todo, o que torna tudo ainda mais desesperador, e a direção faz questão de valorizar cada momento, seja através dos diálogos fortíssimos ou de um plano fechado sufocante.  

A fotografia dessaturada também é de extrema importância na construção da tensão, a pouca luz e os inúmeros cantos escuros sempre aludindo a uma possível presença são arrepiantes, principalmente depois das revelações na sequência final, onde cada canto escuro revela algo assustador, logo, revela que tal artificio não foi mero capricho da direção.  

O teor melancólico, base narrativa, reflete o luto dos personagens e a vulnerabilidade que tal sentimento proporciona, levando os personagens a buscar saídas no oculto e muitas vezes desmoronando o que resta da base familiar, culpando uns aos outros por consequências de algo que desconhecem, como uma válvula de escape. 

Ainda sobre os personagens, a escolha de elenco não poderia ser melhor, ambos muito eficientes e responsáveis por tornar ainda mais impactante cada sequência, tendo em vista que o diretor não se volta para a ação em si, e sim para o resultado, as reações, o que nos apresenta sequências pesadas e dolorosas, mérito do elenco. São vários os momentos assim, mas vale destacar a sequência do acidente de Charlie (Milly Shapiro), que após o acidente o que vemos a seguir é através de um plano fechado em Peter (Wolff), que com poucos recursos impacta com sua performance. 

Alheio à qualquer clichê do gênero Aster desenvolve suspense e personagens gradativamente, em meio à uma narrativa tensa e envolta por um clima pesado, o diretor vai aos poucos incluindo o sobrenatural ao longa, e o faz tão bem que é quase impossível notar o ponto de transição, fazendo o espectador chegar ao surto desesperador que é o terceiro ato aceitando tudo que está vendo, estupefato.  

Hereditário segue o caminho menos óbvio, se fazendo impossível prever o que vem a seguir, cria um mistério inquietante no ar para assim manter o público conectado, o diretor se mantém firme em sua proposta, um longa que não busca por sustos baratos mas sim uma atmosfera incômoda como um todo, que por fim nos brinda com um longa que é o ápice do terror psicológico.

Crítica por: Filipe R. Bichoff

Título: Hereditário

Avaliação: ⭐️⭐️⭐️⭐️⭐️ / 10

Direção: Ari Aster

Elenco: Toni Collette, Gabriel Byrne, Alex Wolff, Milly Shapiro, Ann Dowd

Duração: 2h 7m

Roteiro: Ari Aster

Fotografia: Pawel Pogorzelski

Trilha sonora: Colin Stetson

Ano: 2018