Entre Mulheres

Entre Mulheres

4 de março de 2023 0 Por Filipe R. Bichoff

A impossibilidade de acesso ao conhecimento podemos dizer que seja uma das maiores armas dos opressores, usada para manter sob controle àqueles que os mesmos julgam subalternos, e o machismo presente desde os primórdios da humanidade usava de tal arma, somada à outra que se não for pior talvez se equipare, a religião, para impor suas vontades, saciar seus desejos sórdidos, e saírem impunes de seus crimes.

A trama do longa se passa quase toda no celeiro, onde acontece as reuniões das mulheres, que cansadas de serem escravizadas planejam uma fuga ou vingança, opções postas em votação porém que algumas delas já tinham sua decisão tomada, seja ela pela revolta, tristeza ou motivação pela impunidade de seus opressores, juiz e júri de seu próprios crimes.

Pouco explícito o longa monta sua narrativa através dos relatos das vítimas, com diálogos que revelam a crueldade sofrida por elas suas mães e filhas, uma das motivações de tamanha revolta, garantir um futuro livre e feliz para suas filhas. Com um elenco numeroso a diretora consegue equilibrar com maestria o tempo de tela de cada personagem, Rooney Mara, Jessie Buckley e Claire Foy se destacam por serem responsáveis por direcionar a trama, ganhando um pouco mais de espaço. De quebra a diretora inclui breves alívios cômicos durante os diálogos, detalhe que traz dinamismo as sequencias, mesmo que o riso, como dito pelas próprias, seja um ato de desespero, um choro mascarado.   

Com isso a diretora faz com que o espectador monte a cena em sua mente, que diferente de algo visível torna a experiência mais pessoal, íntima, tornando aqueles relatos ainda mais cruéis e impactantes. 

É interessante notar que os relatos mudam de acordo com a idade das mulheres, pois refletem o quanto foram expostas aquela submissão. As jovens buscam por vingança, liberdade, e pouco se importam com discursos religiosos manipuladores, enquanto as mais velhas mesmo sentido vontade de partir, lutam contra os próprios instintos, algo enraizado em suas mentes desde de sempre, influenciadas a lutar contra seus desejos, pois os mesmos podem condená-las ou as colocar para fora daquele ambiente “privilegiado” que todos vivem. 

Isso mostra como a religião foi e ainda é, usada como massa de manobra por aqueles que se julgam superiores, e graças a falta de conhecimento de suas vítimas, detalhe que eles fazem questão de manter, as mesmas se calam, por medo dos opressores ou de uma condenação de suas almas ao inferno, inferno esse que talvez seja reservado apenas para mulheres, prioritariamente as pensantes.  

Outro detalhe que chama a atenção é ressaltado pela fotografia dessaturada e o design de produção, que além de revelar a vida sem brilho que levam aquelas mulheres, a princípio devido ao figurino leva o público a acreditar estar diante de uma história do século passado, e quando o carro de som do censo revela o ano presente, torna ainda mais assustadora a realidade daquelas mulheres, diante de um espectador estupefato.  

Chocante e necessário, o longa traz uma história que apesar de dolorosa precisa ser vista, pois por pior que sejam os relatos ali presentes, ainda são assustadoramente recorrentes, o que talvez traga alívio é que graças a essas e outras mulheres incríveis as mudanças já começaram, e uma obra incrível como essa pode ser contada através da sensibilidade de uma diretora como Sarah Polley.

Crítica por: Filipe R. Bichoff

Título: Entre Mulheres

Avaliação: ⭐️⭐️⭐️⭐️ 9,0

Direção: Sarah Polley

Elenco: Rooney Mara, Claire Foy, Jessie Buckley, Frances McDormand, Judith Ivey, Michelle McLeod, Sheila McCarthy

Duração: 1h 44m

Roteiro: Sarah Polley

Fotografia: Luc Montpellier

Trilha sonora: Hildur Guðnadóttir

Ano: 2022