A Baleia

A Baleia

4 de março de 2023 0 Por Filipe R. Bichoff

A forma superficial de como enxergamos outra pessoa geralmente é a responsável por um conceito preconcebido, os mais empáticos farão um esforço para tentar imaginar a realidade que determinada pessoa se encontra, mas infelizmente estes são minoria, a grande maioria irá olhar o diferente com desprezo e superioridade, uma superioridade tão superficial quanto seu respectivo caráter, incapaz de enxergar algo bom no próximo devido ao seu ego frágil. 

Em A Baleia o diretor Darren Aronofsky conduz o espectador a um mergulho no íntimo do personagem Charlie (Fraser), afim de fazer o público conhecer, e praticamente vivenciar todas as dificuldades e desafios que alguém sem espaço em meio à uma sociedade elitista e preconceituosa que incapaz de conviver com o diferente o exclui, levando pessoas ao isolamento por medo, seja dos olhares, como o entregador de pizza que olha com espanto àquele que sempre o tratou bem, ou dos comentários maldosos desferidos sem o mínimo de cautela. 

A princípio, o que chama a atenção no longa é a razão de aspecto reduzida, uma forma do diretor, através do formato da tela, fazer com que o espectador sinta a realidade do personagem, sufocante, claustrofóbica e constantemente incomoda devido ao seu tamanho, revelando que mesmo em seu próprio apartamento algo simples como pegar o celular demanda um esforço sobre-humano, o que força Charlie há raramente tentar alguma movimentação que exija que ele se levante.   

Assim ao mesmo tempo que é sensível, a direção de Aronofsky é corajosa, empregando ao longa uma narrativa mais lenta, uma maneira de forçar o espectador a se manter naquele ambiente e notar a realidade do protagonista, com isso o diretor consegue um feito admirável, preencher um curto espaço de tempo com inúmeras informações e acontecimentos, para quando a marca de tempo aparecer em tela fique a impressão do quão desafiador é um dia na vida do personagem, e como cada dia da semana equivale a um tempo precioso para quem não dispõem do mesmo sobrando.

A trilha sonora ao mesmo tempo que é dramática invoca grandiosidade, aludindo ao tamanho do personagem e o choque de todos ao velo de pé, a sonoplastia também tem papel importante, pois leva o publico a imaginar o que o personagem está pensando através de efeitos sonoros como barulho do mar ou passos na areia. Mas grande parte do mérito disso tudo é de Brendan Fraser, o ator tem aqui sua redenção, e consegue fazer o impossível em meio à toda aquela maquiagem, o que dificulta em partes seu trabalho, porém o ator compensa com um show de expressões faciais, transmitindo alegria, sofrimento, medo e desespero, tudo em meio à uma sensibilidade absurda que comove a cada gesto. 

Um detalhe enfatizado pela direção através de planos fechados que preenchem a tela com o personagem, detalhe que revela o esforço da equipe de maquiagem, que da vida ao personagem com detalhes de textura de pele e sudorese constante, que revelam o esforço do personagem para tarefas simples. Em paralelo temos os demais personagens que fazem o contrário, são constantemente colocados em desolamento, e os câmera acompanha afim de mostrar a dificuldade de Charlie em meio a uma simples conversa, constantemente revirando o pescoço para melhorar o campo de visão. Tudo isso são detalhes que enriquecem a trama e tornam o longa tão visceral, realista.  

O longa além de um mergulho íntimo na privacidade de uma pessoa obesa mórbida, também chama a atenção para as possíveis causas, geralmente traumas seguidos por uma depressão profunda, em que alguns acham alívio na comida outros na aversão à mesma, como o caso Alan, o namorado de Charlie.  Assim os momentos em que o personagem recorre à comida são cercados por inúmeros significados, detalhes transmitidos com maestria por Fraser, em um momento de descontração a alimentação é saboreada, em contrapartida em um momento de desgosto a mesma comida é uma tortura da qual o personagem não consegue escapar, se fartando até não aguentar mais.  

Em paralelo a isso temos o triste fim de Alan, uma vítima daqueles que se dizem enviados por Deus, representados pelo controverso Thomas (Ty Simpkins), que mesmo após estar diante de Charlie não consegue enxergar e segue se achando superior, um salvador dono da verdade diante de inúmeros condenados, cegos perante os próprios pecados porém nunca para com os do próximo, detalhe retratado em alguns diálogos com Ellie, e que mostram a força do roteiro do Longa. O Diretor também tem o cuidado de não colocar Charlie acima do bem e do mal, seus erros e arrependimentos são constantemente citados, e admitidos pelo personagem, que ciente de seus erros busca concerta-los mas sem nunca diminuir o próximo, pelo contrário, o personagem vê todos à sua volta livre de rótulos, afinal, não é assim que deveria ser?.

A constante situação de Charlie a Moby Dick, alude à como o personagem se vê, caçado, enquanto simplesmente tenta viver sua vida, e ciente da morte iminente, o personagem tenta manter viva em sua memória uma citação que remete há um dos melhores momentos de sua existência, uma memória que Charlie, após seu fim, pretende viver nela para sempre, livre de todo sofrimento.

Crítica por: Filipe R. Bichoff

Título: A Baleia

Avaliação: ⭐️⭐️⭐️⭐️ / 9,0

Direção: Darren Aronofsky

Elenco: Brendan Fraser, Sadie Sink, Ty Simpkins, Hong Chau, Samantha Morton

Duração: 1h 57m

Roteiro: Samuel D. Hunter

Fotografia: Matthew Libatique

Trilha sonora: Rob Simonsen

Ano: 2022