Assassinos da Lua das Flores

Assassinos da Lua das Flores

30 de outubro de 2023 0 Por Filipe R. Bichoff

Existem inúmeras formas de tornar uma história poderosa, alguns diretores optam por ritmo frenético, outros por explosões e muitos tiros, porém tem histórias que vão além disso e é preciso uma direção que tenha a capacidade e delicadeza suficiente para transpor aquilo em tela. E é o caso do longa em questão, qualquer outro diretor iria optar pelo espetáculo, tornando toda a tragédia retratada em mero apelo visual, mas felizmente Scorsese não é qualquer diretor. 

Os primeiros minutos de rodagem apresentam os Osage, um povo unido e alegre e que por ironia encontram riqueza em sua terra, tida como infértil, algo que os lança em um mundo podre e infeliz em que a busca por dinheiro e poder é sangrenta, desleal e inescrupulosa. Assim, eles, os Osage, leigos naquele meio passam a ser enganados, a começar pelos casamentos, em que aquelas mulheres inocentes pensavam estar acontecendo por amor, e até era, mas não por elas.  

O tom alegre que Scorsese opta em impor no primeiro ato, é a maneira pela qual o diretor encontrou de como ambientar o espectador, o tornando parte do todo, logo, criando vinculo entre as partes, é um dos momentos em que o diretor eleva o teor cômico tornando tudo aquilo de fácil assimilação, seja pelo lado dos Osage ou da gangue do William Hale (Robert De Niro), esse talvez seja o único momento de fácil digestão para o espectador, incluindo o personagem principal. 

Algo que não é difícil, pois mesmo que seu personagem seja um homem de caráter duvidoso, o talento de DiCaprio o torna incrivelmente simpático, um detalhe que leva o público quase a vê-lo pelos olhos de Mollie (Lily Gladstone), encantada no início e traída na sequencia ao descobrir o real interesse do marido, e é interessante ver como a direção vai desgastando o personagem Ernest com o passar do tempo, aos poucos vemos o mesmo se deteriorando a medida que sua ganancia vai crescendo e seus planos sendo descobertos.  

Outro personagem que se assimila a isso é o de De Niro, um vilão de marca maior, repulsivo de todas as formas, porém aqui o ponto de vista é outro, De Niro leva o espectador a odiá-lo sem sequer exaltar o tom de voz, sua hipocrisia é gritante, reflexo de alguém sem escrúpulos, que não enxerga ninguém, apenas números, e a composição do ator é tão sutil que é possível ver em seu olhar suas reais intenções, uma frieza mascarada por suas atitudes. 

Mas em meio a tantos talentos o mais admirável é o da atriz Lily Gladstone, a composição de sua personagem é o encaixe perfeito na narrativa de Scorsese, contida, com nuances pontuais, e uma doçura cativante somada a força, o que torna seu arco dramático ainda mais cruel, pois vemos tudo isso se perder em tela, a medida que ela é torturada pelo marido enquanto é abraçada pelo mesmo. 

Assim conforme o tempo passa e a podridão vai se revelando, aquele tom alegre a qual me referi no início, abre espaço para melancolia e revolta, de um lodo um povo abandonado, do outro milionários escapando por brechas gritantes na lei, brechas que desde de sempre aliviam lado dos mais poderosos, e mantendo os oprimidos esquecidas na história, mas não aqui. 

Como disse no início, Scorsese não opta pelo espetáculo, com isso não faz das mortes uma glamourização desrespeitosa, ele as filma de forma quase amadora, aludindo a como tais atrocidades foram realizadas, sem o menor preparo ou preocupação, é um detalhe simples, mas que torna tudo ainda mais cruel e difícil de ver, muito mais difícil do que se o diretor optasse por detalhar aqueles momentos, seria quase como se estivesse enaltecendo os fatos, algo que iria contra a base narrativa que se volta para os Osage, não seus malfeitores. 

São escolhas que além de respeitosas, funcionam quase como uma retratação histórica, para um povo que foi caçado, explorado e exterminado sem o menor pudor, aqui, na visão de Scorsese, são eles que tem voz, são eles que mostram como a ganancia quase os dizimou e acabou com a alegria de seu povo, um detalhe que além da visão do diretor ganha também sua interpretação, uma participação breve, porém extremamente poderosa de Scorsese nos minutos finais, dão um pesar ainda maior para o fato, tornando quase impossível conter as lágrimas.

Crítica por: Filipe R. Bichoff

Título: Assassinos da Lua das Flores

Avaliação: ⭐️⭐️⭐️⭐️⭐️ / 10

Direção: Martin Scorsese

Elenco: Leonardo DiCaprio, Robert De Niro, Lily Gladstone, Jesse Plemons, Tantoo Cardinal, Cara Jade Myers, John Lithgow, Brendan Fraser, Janae Collins, Jillian Dion, William Belleau, Jason Isbell, Louis Cancelmi, Tommy Schultz, Yancey Red Corn, Tatanka Means, Ty Mitchell

Duração: 3h 26m

Roteiro: Martin Scorsese, Eric Roth

Fotografia: Rodrigo Prieto

Trilha sonora: Robbie Robertson

Ano: 2023